Voltada para atender a zona rural de Cidelândia e outros municípios próximos no Maranhão, a Casa de Farinha São Raimundo representa um caminho estruturado para a geração de renda nas comunidades. A agroindústria de base comunitária tem a capacidade de produzir uma tonelada de farinha por dia, com estimativa anual de 260 toneladas — essa produção depende da produção e engajamento dos agricultores e agricultoras da região, que produzem o principal insumo para esse empreendimento: a mandioca.
Assim como ocorreu em toda sua concepção e construção, a inauguração do novo empreendimento, realizada no dia 6 de novembro, na Agrovila São Jorge, uniu diversos atores conectados ao projeto e ao território. Foram mais de 150 participantes, incluindo as agrovilas e escolas das comunidades locais, representantes do poder público, do setor privado e organizações parceiras. A programação contou com falas das instituições que viabilizam o projeto Corredor de Biodiversidade da Amazônia, para os parceiros da agroindústria e para representantes da comunidade local — e, após esse espaço de trocas, o tão aguardado momento: o corte da faixa de abertura das portas da Casa de Farinha São Raimundo.
Nesta matéria, vamos relembrar (e celebrar) este importante evento, que representa um marco para o Corredor de Biodiversidade da Amazônia, para a Vila São Jorge e para o município de Cidelândia.


Onde tem mandioca, tem alimento de qualidade e geração de renda
A Casa de Farinha São Raimundo carrega um nome que representa a luta coletiva, coragem e profunda conexão com a terra e o território. Voltada para o beneficiamento da mandioca, a fim de comercializar diversos produtos — especialmente a farinha, tradicionalmente conhecida pela qualidade —, a agroindústria carrega um legado. E foi isso que os participantes da inauguração, realizada no começo de novembro, sentiram ao vivenciar essa realização tão aguardada pela comunidade.
“A Casa de Farinha veio na hora certa para que a gente possa alavancar nossas produções e abastecer nosso mercado local”, inicia Raimundo da Cruz Martins, produtor rural na Agrovila São Jorge, que também é conhecida como São Raimundo. “E estou satisfeito por levar o nome que é justamente o meu nome! Estamos na Vila São Raimundo, tem a escola São Raimundo e agora a indústria de Farinha São Raimundo”, comenta, orgulhoso.
Para Maiara Souto, coordenadora da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão, a importância da Casa de Farinha é reconhecida por diversos atores da sociedade civil local e das comunidades rurais. “Sabemos que vai beneficiar muitos agricultores e agricultoras e vai ajudar na produção da região e do município. Principalmente, vai alimentar famílias que são subsidiadas pela agricultura familiar da região”, a representante reflete.
Em São Jorge, a cadeia produtiva da mandioca carrega história e identidade: é fonte de sustento, de geração de renda e de sociabilidade. “A Casa de Farinha São Raimundo chega para fortalecer uma vocação natural da Agrovila São Jorge. Os agricultores já cultivam a mandioca e produzem seus derivados, mas agora poderão desenvolver esse trabalho de forma mais digna, segura e com muito mais qualidade”, explica Carolina Sales, coordenadora operacional do Corredor de Biodiversidade da Amazônia. Além do aumento significativo da capacidade produtiva, a agroindústria também diversifica os produtos. “Essa perspectiva de renda dá às famílias condições de permanecer na comunidade, na terra que escolheram viver, sem precisar buscar oportunidades nos centros urbanos — porque aqui, na zona rural, elas passam a ter sustento, trabalho e perspectivas reais de futuro”, complementa a coordenadora.


A Casa de Farinha São Raimundo carrega consigo o legado de qualidade e tradição da produção da farinha no território, fortalecido há décadas pela Farinheira Artesanal do senhor Reginaldo Marques de Sousa e da senhora Francisca da Silva Sousa — ambos referência na comunidade, há mais de 40 anos produzindo farinha. O novo espaço agroindustrial é gerenciado por um Comitê Gestor e um Comitê Técnico, garantindo a coletividade nas decisões e na distribuição dos benefícios. A Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto de Assentamento São Jorge (ASPRAJORGE) lidera a gestão, e o controle técnico e a qualidade da farinha seguem sob responsabilidade do produtor e farinheiro Reginaldo.
Para o presidente da Associação, Luis Gonzaga Santos, a Casa de Farinha São Raimundo é empreendimento social que tem como grande objetivo fortalecer a produção familiar na região, promovendo inclusão das famílias agricultoras. “A associação e a comunidade têm a sua participação nesse projeto, que vai melhorar muito a qualidade de vida dos agricultores e agricultoras da comunidade, no município de Cidelândia e também dos demais municípios da região que quiserem fazer parte, para trazer sua produção e para geração de trabalho e renda”, declara o presidente.
Envolvida na cadeia produtiva da mandioca desde os 15 anos, para Francisca, a Casa de Farinha São Raimundo é uma melhoria significativa. “Não é só para nós, é para a comunidade. Vai diminuir muito o trabalho, meu esposo sofreu muito com o forno manual. Nessa daqui, uma das melhorias é essa: o forno tem o preparo de mexer a farinha por si só”, explica. A produtora rural, farinheira e açaizeira agora tem as forças renovadas por um novo sonho: produzir mais farinha, escoar melhor a produção e melhorar a qualidade de vida das famílias da comunidade.
A inauguração da agroindústria São Raimundo trouxe memórias da Farinheira Artesanal, espaço onde Reginaldo trabalhou por muitas décadas junto aos tachos, prensadoras e peneiras tradicionais. E desde naquela época, a atividade já era coletiva: a comunidade se reunia para produzir, juntos, farinha — e isso ficou registrado em uma foto.
“Hoje a gente está vendo uma indústria elevada, não vai precisar tanto do sacrifício que teve na Farinheira Artesanal”, relembra o farinheiro, apontando para a foto. Além da melhora das condições de trabalho por meio dos equipamentos, os clientes de Reginaldo também vêm percebendo uma mudança na qualidade da farinha. “Apareceram novos clientes dizendo que a farinha está muito boa, saindo até melhor que a de antes. E isso empolga a gente para ter mais produção e incentiva os trabalhadores a plantarem, para que todos possamos ter uma renda melhor para o sustento das famílias”, continua. “É como falaram na reunião: onde tem mandioca, tem fartura, tem comida, tem dinheiro e tem mão de obra”, afirma.
A comunidade já iniciou a produção e vem recebendo capacitações para aprimorar processos e elevar a qualidade, com foco no licenciamento sanitário. Agregar valor a um produto que já é reconhecido localmente, ampliar o acesso a mercados e compartilhar os frutos do negócio com toda a comunidade são as novas metas desse empreendimento de impacto.
Layara Oliveira, coordenadora de Comunicação da Suzano, empresa que compõe o arranjo institucional do Corredor de Biodiversidade da Amazônia, reforça a relevância da agroindústria para a geração de renda e acesso a mercados. “A Casa de Farinha faz parte de um eixo de atuação do projeto que beneficia mais de 1.400 pessoas, gerando renda para essas famílias, muitas delas chefiadas por mulheres”, destaca a representante.
Quem esteve presente levou para casa pedacinhos do trabalho dos beneficiários do Corredor de Biodiversidade da Amazônia. Os brindes foram uma amostra da farinha de puba produzida na agroindústria e uma muda de açaí, cacau, pimenta-do-reino e cupuaçu, vinda diretamente do Viveiro Semeando e Plantando o Futuro – um viveiro implantado pelo Projeto como Assentamento União Boa Vista (50 BIS), em Itinga do Maranhão.
A identidade também nutriu o corpo — as refeições na inauguração reforçaram a potência da produção de alimentos familiar, com tapioca e bolos com macaxeira pela manhã, e baião de dois com farinha de puba e farinha branca no almoço. E teve direito à sobremesa: o açaí beneficiado pela senhora Francisca com frutas desidratadas produzidas pela comunidade de Sapucaia, em Ulianópolis (PA).



Estrutura sustentável pensada para gerar impacto
Negócio coletivo de impacto social, econômico e ambiental, a estrutura da agroindústria foi pensada inteiramente para possibilitar melhores condições de trabalho, considerando em cada etapa a sustentabilidade produtiva e ambiental. Iniciada em junho de 2025, a estrutura incorporou práticas de reaproveitamento de recursos e circularidade da produção, como:
– Calha centralizada para captação de águas pluviais, conduzidas à cisterna, utilizadas nos tanques de molho e nos banheiros.
– Fossa biodigestora para o tratamento dos efluentes dos vasos sanitários.
– Círculo de bananeiras para filtragem e absorção das águas usadas nas pias, gerando biofertilizantes e reduzindo impactos ambientais.
– Paredes externas pintadas com tinta natural à base de terra, reforçando identidade territorial e práticas sustentáveis.
“Ao mesmo tempo, a Casa de Farinha representa a concretização de objetivos centrais do Projeto Corredor de Biodiversidade da Amazônia. O fortalecimento institucional se expressa nas formações contínuas que qualificaram a Associação da Agrovila São Jorge para gerir o empreendimento. O modelo de gestão coletiva — com um Comitê Gestor e um Comitê Técnico — garante decisões democráticas e engaja a comunidade no dia a dia do negócio”, finaliza Carolina Sales.
Continuidade, inovação e pertencimento: a Casa de Farinha São Raimundo é uma conquista coletiva que reafirma um princípio simples — e verdadeiro — repetido ao longo da inauguração. Onde tem mandioca, tem alimento, tem renda e tem futuro.


Gerar renda e fortalecer comunidades: o Corredor de Biodiversidade da Amazônia
Para a coordenadora operacional do projeto, Carolina Sales, a inauguração da Casa de Farinha São Raimundo é a celebração de uma vitória coletiva. “A vitória da Associação dos Produtores Rurais do Assentamento São Jorge, desses moradores que, com tanta luta, conseguiram essa terra, produzem e vivem nela com respeito à natureza, de forma sustentável e harmoniosa. A vitória da família da Dona Francisca e do Seu Reginaldo, que há mais de 40 anos trabalham com a produção de farinha e hoje veem materializado aquilo a que dedicaram a vida. A vitória do Projeto Corredor de Biodiversidade da Amazônia, que consolida seus objetivos nesse Empreendimento Social: fortalecimento institucional, soberania alimentar, geração de renda e restauração”, reflete.
A Casa de Farinha São Raimundo integra as ações do projeto Corredor de Biodiversidade da Amazônia, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS) em parceria com a Suzano e a Sofidel, e com o apoio da Amazon Onlus.
Iniciado em 2023, o Corredor de Biodiversidade da Amazônia atua pelo fortalecimento dos arranjos produtivos em nove municípios do Maranhão e do Pará, beneficiando diretamente famílias em assentamentos de reforma agrária. Tem como objetivo garantir a segurança alimentar e a geração de renda nas comunidades a partir do incentivo a práticas produtivas, incluindo a agricultura familiar e o viveirismo.
Quatro componentes principais compõem sua estratégia de trabalho: 1) fortalecer institucionalmente as associações; 2) contribuir com a soberania alimentar e nutricional por meio da implementação de quintais agroflorestais; 3) gerar renda a partir da valorização dos arranjos produtivos locais, promovendo processos de organização, beneficiamento e comercialização da produção de base comunitária; e 4) conservar as Áreas de Proteção Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL).